04.04.2021

Relatório aponta urgência para enfrentar as mudanças climáticas e as desigualdades de gênero

Documento foi organizado pelo Escritório no Brasil da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e a representação no Brasil da Fundação Friedrich Ebert (FES).

“A agenda ambiental nunca esteve tão quente. Não se trata mais de um problema a longo prazo, mas uma realidade que já se impõe agora. Por isso, ela tem sido chamada de emergência climática”. É que traz o relatório “A dimensão de gênero no Big Push para a Sustentabilidade no Brasil: as mulheres no contexto da transformação social e ecológica da economia brasileira” lançado nesta terça-feira (30/3) pela ONU Mulheres Brasil, o Escritório no Brasil da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e a representação no Brasil da Fundação Friedrich Ebert (FES). 

A elaboração do relatório se fundamentou na revisão da literatura, no levantamento de dados e informações e na análise do quadro de políticas nacional, regional e internacional nas áreas de gênero, sustentabilidade e mudanças climáticas. O documento ainda foi fruto de discussão em oficina virtual realizada em 23 de setembro de 2020, com a participação de especialistas e lideranças da sociedade civil, da academia, do setor privado e do poder público com experiência em temas ligados a gênero, meio ambiente, clima e desenvolvimento. 

Ao mesmo tempo, o relatório se baseia em evidências, oferecendo subsídios para a formulação de políticas que promovam oportunidades de emprego e renda para as mulheres, consideradas na sua diversidade, e de melhoria da disponibilidade e da qualidade de serviços de cuidado, liberando o tempo das mulheres e contribuindo para sua autonomia econômica. O documento se insere na dimensão de gênero no contexto dos investimentos transformadores para a igualdade e a sustentabilidade no âmbito da abordagem do Grande Impulso (ou Big Push) para a Sustentabilidade. 

As autoras do relatório são as pesquisadoras Margarita Olivera (Professora do Instituto de Economia da UFRJ e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Economia e Feminismos, NuEFem/IE/UFRJ), Maria Gabriela Podcameni (Professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro, IFRJ, e pesquisadora da RedeSist/UFRJ), Maria Cecília Lustosa (Professora do Profinit e Pesquisadora da Redesist/UFRJ), e Letícia Graça (pesquisadora do (NuEFem/IE/UFRJ). E, ainda o documento contou com a coordenação de Camila Gramkow, Oficial de Assuntos Econômicos do Escritório no Brasil da CEPAL. 

“O relatório foi fruto de um esforço coletivo, das organizações e pesquisadoras, e das contribuições de diversas pessoas. O tema não se esgota nesse documento, é preciso construir uma agenda de debates e estudos a partir de uma perspectiva da intersecionalidade dos direitos humanos das mulheres nos seus mais diversos contextos e realidades no âmbito do enfrentamento às mudanças climáticas”, explicou a representante da ONU Mulheres no Brasil, Anastasia Divinskaya. 

De acordo com a diretora de programas da Fundação Friedrich Ebert Brasil, Waldeli Melleiro, os eventos extremos como a pandemia e as mudanças climáticas aprofundam as já existentes desigualdades raciais e de gênero. “Para alterar essa inserção desigual e promover uma transformação social, é necessário a adoção de políticas e investimentos com foco explícito nas mulheres nos diversos setores: em infraestrutura, no trabalho, nos empregos verdes, na saúde e na organização social do trabalho de cuidados. Adotar a transversalidade de gênero é urgente e essencial e, para a Fundação Friedrich Ebert, a democracia só é possível se houver justiça de gênero”, ressaltou. 

Sobre o Big Push – A CEPAL desenvolveu uma abordagem para apoiar os países da região na construção de estilos de desenvolvimento mais sustentáveis, chamada “Big Push (ou Grande Impulso) para Sustentabilidade”. Trata-se de uma abordagem baseada na coordenação de políticas para promover investimentos sustentáveis, que produzam um novo ciclo de crescimento econômico, gerando empregos e renda, contribuindo para a recuperação da economia, e diminuindo desigualdades enquanto reduz a poluição e mantém e regenera a base de recursos naturais do qual o desenvolvimento depende. 

No Brasil, a CEPAL vem trabalhando em parceria com órgãos públicos brasileiros, instituições de pesquisa e atores da sociedade civil para implementar a abordagem do Big Push para a Sustentabilidade por meio de colaborações, projetos e cooperações técnicas, em temas ligados à inovação e energias sustentáveis, patentes verdes, empregos, gênero e mobilidade sustentável e estudos de casos de investimentos sustentáveis. 

ALGUNS DADOS DO RELATÓRIO: A carência de ações efetivas frente à emergência climática impacta desproporcionalmente as mulheres, meninas e corpos feminizados, porque elas partem de uma situação de profundas desigualdades estruturais. Muitas mulheres já estão no seu limite físico, psicológico e emocional. E, contam com menos ferramentas e rendas para enfrentar os impactos das mudanças climáticas. 

  • As mulheres já constituem, hoje, um grupo maior situação de vulnerabilidade em relação aos homens (em termos de pobreza monetária, pobreza de tempo, sobrecarga de trabalho não remunerado e de cuidados, inserção precária no mercado de trabalho). 
  •  As mulheres dedicam praticamente o dobro de tempo (em média 21,4 horas de trabalho por semana) em relação aos homens (que dedicam 11 horas semanais) para a realização de tarefas domésticas e/ou de cuidado. 
  • As mulheres recebem em média um salário que é 21,3% inferior ao salário dos homens. As mulheres negras recebem um salário 55,6% inferior ao dos homens brancos; o que sublinha a interseccionalidade, ou seja, que existem desigualdades de gênero profundas e estruturais no Brasil, que estão relacionadas de forma intrincada com outras desigualdades, tais como as raciais e de classe. 
  • Mulheres negras, indígenas, quilombolas, periféricas, pobres e corpos feminizados que saem da norma são grupos especialmente expostos aos impactos da inação climática, o que sublinha o racismo ambiental. 
  • O aumento da frequência e da intensidade de eventos climáticos extremos (secas prolongadas, inundações, tempestades, deslizamentos de terra, picos de calor e de frio etc.), nesse contexto de profundas desigualdades estruturais, torna as mulheres mais expostas a adversidades que os homens. 
  •  Mulheres em condições de maiores vulnerabilidades socioeconômicas tendem a contar com menos ferramentas e rendas para enfrentar os impactos da mudança climática (por exemplo, para mudar para uma residência em área menos suscetível a deslizamentos de terras ou a inundações), dadas as brechas de salário, empregos, acesso a bens e serviços públicos, representação e direitos. 
  •  As mulheres também tendem a ter uma maior pobreza de tempo com a mudança climática, já que são elas que tendem a cuidar dos doentes, feridos, amputados e enlutados devido aos eventos extremos. 

Por outro lado, as mulheres podem ser beneficiárias dos investimentos sustentáveis em áreas estratégicas para uma recuperação transformadora com sustentabilidade ambiental e igualdade de gênero. Investimentos em áreas tais como energias renováveis, produção agrícola sustentável, mobilidade urbana sustentável, entre outros, podem criar oportunidades de emprego e renda para as mulheres, se combinados com políticas adequadas de inserção das mulheres, contribuindo com sua autonomia econômica. Além disso investimentos em infraestrutura de cuidados podem não apenas preparar a sociedade para enfrentar os eventos climáticos extremos, mas também contribuir para liberar o tempo das mulheres, contribuindo para reduzir a pobreza de tempo. 

  Acesse o relatório completo aqui.