Entrevista realizada por Alexander Hagelüken e Benedikt Peters para o jornal Süddeutsche Zeitung (SZ).
Em frente ao Bundestag, o Parlamento Federal, passou um vendaval. Yasmin Fahimi (54) propôs abdicar de seu mandato parlamentar pelo Partido Social-Democrata (SPD) para assumir a direção geral da Confederação Geral dos Sindicatos da Alemanha, conhecida pela sigla DGB. Fahimi sucede Reiner Hoffmann na liderança da DGB, que com quase seis milhões de afiliados é a central sindical que reúne o maior número de associações sindicais na Alemanha. Durante uma hora, a ex-secretária geral do SPD e ex-secretária de Estado do Ministério do Trabalho falou sobre o que pretende fazer com os sindicatos e como irá pressionar o governo federal.
Süddeutsche Zeitung (SZ) —Sra. Fahimi, você é a primeira mulher a liderar a DGB nos 70 anos de existência da central sindical. O que passa pela sua cabeça quando escuta essa formulação?
Yasmin Fahimi (YF) —Do ponto de vista histórico, estou ciente de quão importante é. Além disso, sinto que a minha missão é tomar conta de todos os trabalhadores com toda a força ao meu alcance. E quando me refiro a todos, refiro-me, em particular, às mulheres.
SZ—Você trabalhou por muito tempo para o Sindicato Industrial de Mineração, Química e Energia, o IG Bergbau, Chemie, Energie (IG BCE). Quando você foi secretária sindical, por exemplo, na cidade de Recklinghausen, você teve que lidar com atitudes machistas?
YF — Claro [risos]. E não apenas nos sindicatos ou em Recklinghausen. Fui uma das primeiras estagiárias a entrar no programa de treinamento do IG BCE. E como se não bastasse, era universitária e mulher. Em muitos, gerava raiva porque era considerado uma provocação. Alguns achavam que "a garota" precisava aprender qual era a cultura sindical correta. Outros, contrariamente, preferiam cuidar de mim seguindo o slogan: "Procure-me se alguém estiver te incomodando". Ambas as atitudes eram desnecessárias. Devo dizer que ninguém teve uma atitude abusiva específica comigo, e que foi na Mineração, justamente, onde tudo foi mais fácil. Estar ao lado dos companheiros e ser solidários é o que mais importa para eles. Quando isso acontece, eles acabam sendo os melhores amigos.
SZ— No Sindicato de Mineração existiam enormes problemas.
YF — Pois é, e meu trabalho também teve seu lado triste, por exemplo, quando eu tinha que negociar planos de aposentadoria quando empregos eram eliminados. O importante era sempre obter o maior número de benefícios para os trabalhadores. Na época eu aprendi muito e sou muito grata por isso.
SZ — Hoje, toda a economia deve enfrentar modificações radicais em relação à mudança climática e à digitalização. O que deve ser feito para que empregos bem remunerados não desapareçam em massa?
YF — A política deve investir nos estados da federação sem omitir nenhum lugar, não apenas em alguns setores. São necessárias soluções abrangentes para uma economia de efeito climático neutro. No entanto, a transformação vai além da mera política industrial. Liderança tecnológica, infraestrutura moderna e educação adequada ao futuro não surgem espontaneamente. E todos os aumentos salariais que negociamos evaporam se não forem apoiados por uma boa base de serviços básicos de interesse geral. Por exemplo, se os pais tiverem que pagar professores particulares para seus filhos, porque as escolas são ruins ou se torna necessário comprar travas de segurança invioláveis, porque a polícia não pode estar em todos os lugares.
Na indústria, muitos trabalhadores são filiados aos sindicatos e, portanto, ganham altos salários. Mas hoje três quartos dos trabalhadores exercem profissões relacionadas aos serviços básicos de interesse geral que, muitas vezes, estão fora dos acordos salariais e são mal remunerados. Muitos trabalhadores da indústria podem acabar neste setor. O que deve ser feito?
A autonomia de negociação salarial e a coparticipação fazem parte de nossa arquitetura social básica. Isso tudo é constitucional! Se as empresas bloquearem a ação dos comitês de empresa ou minarem os acordos salariais, estarão "marcando o terreno" da nossa economia social de mercado. É por isso que o governo federal deve ser medido por seu comprometimento em acabar com essa prática. Entre outras coisas, com uma lei que estabelece que as obras públicas só são atribuídas a empresas que paguem os salários por acordo. Para nós, elevar novamente o nível vinculante dos acordos tem prioridade absoluta, também e precisamente no setor de serviços. E temos bons argumentos para convencer os trabalhadores das empresas emergentes, as startups, que somente “jogando pebolim com o patrão”, não irão conseguir negociar um bom salário.
SZ — Você está assumindo uma organização que está diminuindo de tamanho. Desde o início deste século, os sindicatos que pertencem à DGB perderam dois milhões dos oito milhões de afiliados sindicais que tinham. Como essa diminuição pode ser detida?
YF — Estamos diante do desafio de conquistar mais filiados e todos já estão trabalhando em projetos fantásticos para esse fim. Oferecemos lutar para encontrar soluções conjuntas e garantir as liberdades individuais através de uma atitude solidária. É uma oferta altamente atual. Mas a diminuição do número de filiados também tem origem em empregos cada vez mais precários. Para nós, isso significa que, em vez de apenas irmos às fábricas, temos que nos dirigir aos filiados em potencial, mesmo no ambiente em que vivem. Bem, certamente é necessário que nos modernizemos como sindicatos. Mas é igualmente correto: ainda somos a maior organização política do país. Diariamente, 750 mulheres e homens decidem se filiar a um sindicato. Que outra organização consegue isso?
SZ — Longe de nós está a intenção de refrear seu entusiasmo, mas os mais jovens e mulheres muitas vezes enrolam os sindicatos.
YF — É óbvio, não vou negar, temos espaço para crescer. Muitos empregos surgem em novos ramos ou em setores econômicos em crescimento, nos quais os empregadores se recusam a celebrar acordos salariais. Isso cria dificuldades em conferir proteção aos trabalhadores e gerar condições de trabalho com sucesso por meio dos sindicatos. Mas só podemos ser eficientes nas nossas funções se os trabalhadores nos respaldam, se filiando. Porque, em última análise, não somos um poder público ou uma companhia de seguros, mas sim um movimento com e para os trabalhadores. Temos que deixar clara essa condição. E temos que derrubar preconceitos com mais força. Os sindicatos são coloridos e femininos. Assim, o Sindicato dos Serviços (Ver.di) e o Sindicato da Educação e Ciência (GEW) têm mais afiliados do sexo feminino do que do sexo masculino. Muitas coisas aconteceram. E um dos resultados dessa mudança está aqui, sentado na sua frente.
SZ — Seu pai morreu em um acidente de carro antes de você nascer. Sua mãe criou você e seu irmão sozinha. Como você vivenciou essa época?
YF — Vivemos não apenas dificuldades econômicas, mas também situações de discriminação explícita e velada. Uma mãe que criava os filhos sozinha não era exatamente bem-vista entre 1960 e 1980. Na dúvida, minha mãe não era convidada para as festas de vizinhos e parentes. O sobrenome e a origem não europeia também não ajudavam muito. Isso desde cedo aguçou meu senso de justiça e minha consciência de que é preciso estar junto com os outros para conseguir mais coisas do que aqueles que nos acompanham desde o berço.
SZ — Que experiência teve com as condições de uma mãe que é chefe de família?
YF — Não recebíamos salário-família, não havia creches em nossa área. Era difícil para minha mãe. Porém, eu tiro o chapéu para ela, porque apesar de tudo ela conseguiu cultivar em nós a consciência de que não só podíamos ser, mas também que nada nos impedia de ser tudo o que queríamos.
SZ — Os políticos não deveriam fazer mais pelas pessoas que têm que criar seus filhos sozinhas?
YF — Sem dúvida. Precisamos de mais benefícios para os filhos e uma melhor situação fiscal.
SZ — Enquanto isso, em geral, cada vez mais mulheres entram no mercado de trabalho. Elas geralmente recebem um salário mais baixo e têm menos chances de promoção. Como essa situação pode ser alterada?
YF — Muitas vezes, as mulheres ficam presas em empregos de meio período, em minijobs ou trabalhos temporários. Elas estão presas entre o risco de cair na pobreza e a falta de perspectivas. Muitas se sentem perdidas e abandonadas. Por isso, as mulheres, assim como os homens, devem trabalhar desde o primeiro minuto em empregos seguros e com plena cobertura previdenciária. É preciso frear o avanço do emprego precário, inclusive por meio de acordos salariais.
SZ — O governo deve eliminar os minijobs?
YF —Minijobs podem ser considerados um problema passado, porque em casos muito raros eles levam ao emprego com previdência social. Mas a situação de desvantagem em que as mulheres se encontram supera a questão do trabalho. Na pandemia, as mulheres voltaram a ser as “tapa-buracos”, reduzindo suas horas de trabalho para cuidar dos seus filhos ou fazendo trabalhos de cuidado não remunerados. E não só isso: elas são as principais afetadas pela violência. A cada três dias uma mulher morre na Alemanha são vítimas de feminicídio, geralmente perpetrados por pessoas com as quais havia um vínculo prévio. Questões como essas também devem ser incluídas nas agendas dos sindicatos.
SZ — Poucos grupos empresariais incluem mulheres em seus conselhos de administração. Isso está de acordo com os tempos?
YF — Não! Muitas empresas precisam se atualizar. A cota feminina deve ser ampliada. Para muitas, isso não tem sido aplicado até agora. O importante é que a qualidade prevaleça. A realidade nos diz que alguns homens acessam cargos hierárquicos apesar de não serem suficientemente qualificados.
SZ —Dos oito sindicatos individuais que compõem a central sindical alemã, sete são liderados por homens. Isso é apropriado para a época?
YF — É necessário não perder de vista a perspectiva geral. Se eu for eleita em maio, haverá um homem e três mulheres no comitê de direção da DGB. E dos nove sindicatos distritais da DGB, quatro são liderados por mulheres. Mas é claro que cada um dos sindicatos também precisa se atualizar em certas áreas.
SZ — Um forte vento contrário já está surgindo antes de sua eleição. Segundo declarações de alguns sindicalistas, a DGB “está a travar o seu próprio crescimento” e a “situação é extremamente desastrosa”. Como você lida com isso?
YF — Fui inundada de votos de felicidades, todos muito calorosos e sem distinção de todos os sindicatos. Até onde eu sei, os rumores de que minha indicação está sendo vista de forma crítica são absurdos.
SZ — A busca por um novo dirigente sindical terminou em reviravoltas que duraram meses, como se ninguém quisesse o cargo. Até que ponto essa situação prejudica a DGB?
YF — O fato de um processo ser longo não significa que o resultado a que chega seja necessariamente ruim. Muitos nomes foram lançados e houve muitas considerações. Isso é bom em uma democracia. No final, fui escolhida por unanimidade. E eu estou feliz que tinha sido assim.
SZ — Os grandes sindicatos como o Ver.di e os metalúrgicos do IG Metall fazem seu próprio lobby. Então, para que a DGB é necessária?
YF — A DGB teve um desempenho muito bom em muitas situações de crise. Não esqueçamos isso agora, quando o ataque russo à Ucrânia, que condeno categoricamente como crime de guerra, está causando a próxima crise. A DGB conta méritos na reconstrução alemã, no processo de superação do desemprego massivo causado pela crise financeira ou agora na pandemia. Meu amigo Reiner Hoffmann, então presidente da DGB, insistiu muito no apoio financeiro, subsídios por tempo reduzido, licença médica para filhos, segurança industrial e proteção à saúde. No futuro, a DGB será necessária tanto ou mais como um poder para proteger os trabalhadores no âmbito da transformação ecológica, algo que um sindicato não pode fazer por si só.
SZ — Como líder da DGB, o que você exige da política?
YF — Muito! Para nós, cada criança, cada filho deve valer o mesmo. Em vez de isenções para filhos que beneficiam principalmente os que melhores salários têm precisamos de uma cobertura básica por filho que também ajude especialmente crianças de famílias mais pobres. Em perspectiva, precisamos de outro método de tributação para as famílias, porque muitas vezes as mulheres não podem deixar o seu papel de provedoras de um salário adicional devido ao sistema de splitting que é aplicado a ambos os cônjuges, somando as rendas e dividindo-as por dois quando atingir a idade da aposentadoria. É claro que as questões de cogestão e a natureza vinculante do acordo salarial não deixam de existir. Ainda temos um longo caminho a percorrer para nos recuperarmos do espírito destrutivo do neoliberalismo que nos atormenta desde os anos 1990. A paz social está ameaçada de danos permanentes. No longo prazo não suportaremos, se o caráter vinculativo dos acordos diminuir cada vez mais e a diferença salarial continuar a aumentar.
SZ — A diferença de riqueza também está aumentando cada vez mais.
YF — Certamente precisamos de um debate sobre a questão distributiva e de justiça. Em toda crise vemos os pobres cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos, também agora na pandemia. Algo assim não é permitido. Precisamos de um imposto sobre a riqueza ou taxa de riqueza.
SZ — A obrigatoriedade de realizar home office foi suspensa. Existe agora a necessidade de um direito a um home office?
YF — Alguns trabalhadores são obrigados a retornar aos estabelecimentos, outros ao home office. Nem uma coisa nem outra é bom. Eu gostaria de ver a criação de um direito para poder escolher o local de trabalho, sempre que operacionalmente possível. No caso ideal, que seja garantido por um contrato de trabalho e especificamente respaldado pelo conselho de administração da empresa.
SZ —Você foi secretária-geral do Partido Social-Democrata, secretária de Estado e agora é deputada. Pode um socialdemocrata de longa data criticar o governo ou pode Olaf Scholz esperar ser bajulado, que sejam condescendentes com ele?
YF —[Risos.] Olaf Scholz me conhece muito bem. Ele sabe que não vai ganhar bajulação comigo.
SZ — Em 2015, como secretária-geral do SPD, ao contrário de Sigmar Gabriel, então presidente do partido, você rejeitou o diálogo tanto com a direita quanto com os seguidores do movimento anti-islâmico Pegida.
YF — Essa história vai me assombrar para sempre...
SZ — Hoje, quem não se alinha às ideias do partido organiza marchas com tochas e ameaça políticos. Isso prova que você estava certa?
YF — Hoje, como então, estou convencida de que aqueles que promovem o ódio e a perseguição se autoexcluem do diálogo. Os sindicatos concebem-se como uma comunidade de valores porque garantimos a solidariedade e a diversidade. A todas as pessoas que tentam impedir e redefinir a proteção ao trabalhador em termos racistas, oferecemos nossa mais forte resistência. Essa atitude que despreza os direitos humanos ao segregar as pessoas só semeia violência e ditaduras.
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